Celso Antunes
O Luizinho da segunda fila
Marcelo é um excelente professor de geografia.
Na aula sobre Pantanal até excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão.Preencheu a lousa com critério,soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem.Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia-a-dia de cada um.
Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal. Seus rios, suas aves,sua vegetação...a planície imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra,suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos.Marcelo sabia o quanto teria que corrigir,mas vibrava...Sentia que os alunos aprendiam.Descobria o interesse que sua ciência despertava.Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha,sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou:
_Posso pegar mais uma folha em branco?
O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo,era o Luizinho,aquele da segunda fila. - Puxa vida ! -pensava –Luizinho assistira todas as suas aulas,arregalava os olhos com as suas explicações agora na prova,silêncio absoluto,imobilidade total... nem sequer uma linha.Sentiu ímpetos de esganar Luizinho.Mas,tudo bem, não queria se irritar.Luizinho pagaria seu preço,iria certamente para recuperação.Se duvidassem poderia, até mesmo levar a retenção.Seria até possível arrancar um ano inteirinho de sua vida...
Minutos depois,o avisou que o tempo estava terminado.Que entregassem sua folha.Viu então que rapidamente,Luizinho desenhou, na primeira página das folhas da prova, o Pantanal.Rico,minucioso,preciso.Marcelo emocionou-se,ao ver aquele quadro ,de irretocável perfeição,nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras.Entusiasmado indagou:
- E aí Luís? Você já esteve no Pantanal?
Não.Luizinho jamais saíra da cidade.construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas.Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia com suas palavras construído uma imagem completa,correta e absoluta na mente do seu aluno.
Mas,deu zero pela redação.É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas de prova. A história de Luizinho repete-se em muitas escolas.Sua inteligência pictórica é imensa.Colossal,lúcida,clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal.Expressou o que sabia, da maneira como conseguia.
Mas,não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir linguagens diferente das que a escola instituiu como única e universal.
Do livro Marinheiros e professores,6ªed.,Petrópolis,Vozes,2000,p.72-73,do autor
Luizinho possui notável expressão pictórica e através da mesma pode contar de seus saberes e propor processos que destacavam os caminhos de sua aprendizagem,mas falta a esse e a milhares de outros”Luizinhos” professores que possam discernir,estimular,sugerir e encantar seus alunos mostrando-lhes linguagens diferentes.
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