João Amós Comênio




A educação da juventude se processará facilmente se começar cedo,antes da corrupção das inteligências.

João Amós Comênio

domingo, 13 de novembro de 2011

Os diferentes âmbitos da avaliação


                                                                            Miguel A. Zabalza

A avaliação é um componente particularmente sensível do edifício curricular e exige uma competência especial dos profissionais da educação.
É fácil e cativante falar de educação infantil. Mas é muito difícil falar de avaliação na educação infantil. Continuam prevalecendo velhos estereótipos e preconceitos que relacionam avaliação com exame, com mensuração por meio de provas, com qualificações, com angústias, com êxitos e fracassos. Se a ideia é essa, é justo que não se concorde em avaliar crianças pequenas. Eu também me oporia radicalmente a isso.
Porém, a avaliação, desde que bem-feita, é o principal mecanismo de que os professores dispõem para levar a bom termo seu trabalho. É verdade que, em muitos casos, as práticas de avaliação revelaram-se negativas, ou porque foram mal realizadas, ou porque faltou uma orientação mais clara. No entanto, isso só nos obriga a reconhecer que a avaliação é um componente particularmente sensível do edifício curricular e exige uma competência especial dos profissionais da educação. É por essa razão que, do meu ponto de vista, é tão fundamental ressaltar a importância da avaliação quanto explicitar as condições em que deve ser realizada e as funções que deve cumprir, tendo em vista a melhoria do processo educativo em seu conjunto. É preciso avaliar, mas é preciso fazê-lo bem.
Um velho princípio didático diz que "a comparação me leva à autocomplacência, a avaliação me leva à autocrítica". Talvez por isso seja tão difícil para nós aderir à cultura da avaliação, porque nos força a rever nossas idéias e nossas práticas e a tomar consciência dos pontos fortes e fracos de nossa atuação como professores. Trabalhar com crianças pequenas, criar situações ricas, envolver-se de corpo e alma na ação, ir sempre em frente com atividades novas é, sem dúvida, um prazer. Tomar notas, parar para pensar, rever processos, analisar produtos, elaborar informes, etc., ao contrário, é um transtorno. E fazer isso por obrigação, sem ter a sensação de que servirá para melhorar nosso trabalho, pode tornar-se um pesadelo.
Devo insistir, uma vez mais, sobre a importância da avaliação para qualquer etapa educativa, incluindo, naturalmente, a educação infantil. Gostaria de ressaltar três aspectos: 1) a importância de incorporar a cultura da avaliação ao nosso trabalho, 2) os tipos de avaliação aplicáveis à escola infantil e 3) os âmbitos a serem avaliados. Em função do espaço deste artigo, vou tratá-los de forma bastante concisa.
1. O que é a cultura da avaliação?
Trata-se de algo muito simples. É acostumar-se a documentar o que vai sendo feito: guardar diálogos das crianças, guardar nossos planejamentos de aula, gravar algumas das atividades, guardar amostras dos trabalhos das crianças, fazer algumas provas periódicas (formais ou informais) que sirvam para checar o processo, etc. Às vezes, é muito importante contar com algum tipo de registro (que nós mesmos fizemos, ou que extraímos da vasta gama existente na literatura). Essa documentação é analisada periodicamente e serve de base para as propostas de melhoria para o período seguinte.
2. Que tipos de avaliação podemos utilizar na educação infantil e como?
Creio que poderíamos falar de três tipos básicos de avaliação em educação infantil, cada um com suas virtudes e suas limitações.
A avaliação como impressão que se elabora a partir do conhecimento cotidiano
Passamos muitas horas por dia com as crianças, e isso nos permite formar uma opinião suficientemente clara sobre elas e sobre suas características. Acabamos conhecendo-as, mesmo que esse conhecimento geralmente seja bastante genérico, superficial e assistemático. Na minha opinião, esse tipo de conhecimento não pode ser visto como uma "avaliação" em sentido estrito. Não apenas porque "conhecer" não é o mesmo que "avaliar", mas também porque não estamos falando sequer de um "conhecer" que seja preciso e rico do ponto de vista educativo. No fundo, todos temos esse tipo de conhecimento acerca das pessoas com as quais mantemos contato. Sabemos sobre elas, sobre como agem, sobre como costumam pensar e sentir. De certo modo, podemos até prever suas condutas. Trata-se de algo importante, porém não suficiente.

A avaliação como conhecimento profissional e documentado
Trata-se de um tipo de avaliação que requer conhecimentos específicos para que a realizemos, respeitando as exigências técnicas e pedagógicas próprias a ela. É uma competência profissional que os professores só conseguirão se tiverem uma formação específica para isso. É necessário obter um conhecimento sistemático, que abarque as diversas dimensões do desenvolvimento, que se fundamente na integração de informações de natureza diversa, obtidas mediante diversas estratégias metodológicas (desde observações naturais a registros especialmente preparados, desde episódios espontâneos a produtos preparados), que seja rico como informação (não basta uma nota ou um juízo genérico), que seja fácil de realizar e de interpretar (para poder compartilhá-lo com os pais e, inclusive, com as próprias crianças). É por isso que se necessita de formação.

A avaliação como processo especializado
A visão técnica da avaliação é tarefa para especialistas na área abordada e com objetivos que geralmente transcendem a atuação educativa de um professor, pois costuma exigir conhecimentos especializados e uso de técnicas sofisticadas. Estes são muito úteis para ter uma visão matizada de certas dimensões do desenvolvimento infantil.
Caberia englobar neste item a aplicação de testes, provas especializadas em alguns âmbitos do desenvolvimento, estudo do desenvolvimento e/ou da conduta das crianças mediante algum procedimento científico, ações voltadas a rever situações específicas (crescimento, visão, dentição, inteligência, personalidade, condutas, destrezas, etc.). Elas são realizadas por especialistas nessas áreas, pois costumam exigir conhecimentos especializados e emprego de técnicas sofisticadas.
Embora nossa avaliação deva ter como base sobretudo o segundo tipo, os três são complementares e de grande proveito para o bom funcionamento de uma escola infantil.
3. Os âmbitos a serem avaliados na escola infantil
A ação educativa vai sendo produzida como resultado da interação de diversas variáveis que atuam de modo contingente, sendo que algumas modificam as possibilidades de impacto das outras. Por isso, interessa "iluminar" todo o processo, conseguir o máximo de informação sobre as diversas dimensões que intervêm na sala de aula de maneira tal que estejamos em boas condições de "entender" o que ocorre, por que ocorre e o que podemos fazer, em vista dos dados disponíveis, para melhorar essa situação. Por esse motivo, toda avaliação deve levar em conta, no mínimo, os seguintes aspectos:
A avaliação dos meninos e das meninas
O objetivo fundamental de nosso trabalho educativo é que os meninos e as meninas sob nossa responsabilidade cheguem aos poucos a um desenvolvimento equilibrado e constante. No final, nosso trabalho terá sido eficaz se eles se sentirem bem conosco e tiverem desenvolvido todo aquele conjunto de capacidades e competências que fazem parte da educação infantil. Os alunos de nossa sala serão, ao longo do período escolar que passarmos com eles, a expressão pública e visível da qualidade e da adequação do trabalho educativo que estamos desenvolvendo.
Interessa-nos, portanto, saber qual é a situação de que partimos e ir verificando se o desenvolvimento de nossos alunos está ocorrendo segundo a dinâmica esperada para a sua idade e o tipo de enfoque educativo que planejamos. Por isso, a estratégia predominante de avaliação deve ser a avaliação individualizada. O que nos interessa, basicamente, é saber se as crianças estão evoluindo em um bom ritmo, se essa evolução ocorre de maneira suficientemente equilibrada (se avança em todas as dimensões) e se elas estão superando as dificuldades que inevitavelmente vão apresentando-se.
A avaliação do programa que se está seguindo
Este é o segundo grande âmbito de aplicação da avaliação: a avaliação do funcionamento geral de nossas salas de aula, tanto de um ponto de vista global (o que poderíamos chamar de dinâmica geral da sala de aula: as rotinas diárias, o plano geral de atividades, etc.) como de perspectivas mais setoriais (o funcionamento dos diversos componentes do processo educativo: espaços, atividades específicas, materiais, modos de relação, etc.). Em geral, os diversos modelos educativos para crianças pequenas têm sua própria escala para avaliar o desenvolvimento do programa.
É importante, sobretudo, porque nos ajuda a centrar nossa atenção nos pontos que são realmente importantes em nosso projeto, sem nos perdermos em detalhes de pouca relevância ou de rentabilidade duvidosa em face da melhoria efetiva do que estamos avaliando.
 A avaliação de nós mesmos como professores(as)
Juntamente com a avaliação dos alunos e do processo, vale a pena considerar a avaliação dos próprios educadores, que pode assumir a forma de uma auto-avaliação ou de uma avaliação feita por outras pessoas (colegas, colaboradores externos, etc.).
Os aspectos que poderiam ser levados em conta são muito diversos: nossas relações com as crianças e suas famílias (em conjunto e individualmente); nossos pontos fortes e fracos no trabalho educativo (aquilo em que nos saímos melhor e o que exigiria um aprimoramento e mais formação); a evolução que tivemos nos últimos meses (coisas que fazíamos antes e que agora não fazemos mais e vice-versa); a dinâmica de trabalho na escola (individualismo, colaboração, apoio mútuo) e o que poderíamos fazer para melhorá-la; como nos sentimos pessoalmente, etc.
Trabalhar como educador da infância é uma tarefa que requer tanto um forte envolvimento emocional de nossa parte quanto o domínio de um amplo espectro de competências profissionais. Em ambas as direções, a avaliação deveria estar presente, para que, também nesse caso, nos permitisse reforçar nossos pontos fortes e corrigir os pontos fracos de modo a nos tornarmos, a cada dia, melhores profissionais.
Fonte :Revista Pátio

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