João Amós Comênio




A educação da juventude se processará facilmente se começar cedo,antes da corrupção das inteligências.

João Amós Comênio

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Qualidade em educação

                                                              Rubem Alves
O corpo humano é dotado de sensíveis mecanismos de controle de qualidade. Não só o corpo  humano.Até  a dos bichos. O cachorro cheira com o nariz antes de pegar com a boca: ele não é bobo. Procedimento igual ao da dona de casa que cheira o peixe antes de comprá-lo. Ao da cozinheira que prova a moqueca antes de servi-la.Ao do violeiro que afina a viola antes de tocar.Tudo isso é teste de qualidade.
A educação na medida em que lida com a vida de pessoas e a vida do país,deve ser a área  mais rigorosamente testada.É preciso que ela seja excelente.Entretanto,é a área em que os testes são mais difíceis
Avaliações, vestibulares e provões quase nada significam: nada garante que a qualidade medida por critérios acadêmicos numéricos consiga  passar nos testes que vida impõe.”Na Escola,10 na vida 0” título (ou quase) de um livro que mostra  que  a excelência escolar não pode ser tomada como índice para avaliar o desempenho na vida.
Um professor da faculdade de medicina da Unicamp, por ocasião do vestibular,me dizia:   ”Pena . Muitos  dos que vão passar com as maiores notas não conseguirão ser médicos.Uma inteligência que foi treinada para descobrir uma resposta entre cinco dificilmente consegue lidar com os problemas da clinica médica.A vida não é vestibular. Há certos saberes  que aleijam a inteligência”.
Na ordem das prioridades governamentais eu coloco a educação em primeiro lugar. Para o país, ela cria as condições para um aumento do bem – estar social.Para o individuo,ela aumenta as possibilidades de vida de  prazer e alegria.
Pus-me então a imaginar um mecanismo que permitisse a avaliar as qualidades da educação. Veio-me, então, uma idéia inspirada no “provão”.Um”examão” gigantesco a ser realizado no período de um mês.
Nele entrariam todos os conteúdos curriculares pelos quais os aluno passou: raiz quadrada,equação do 2º grau,juros compostos,problemas genéticos de cruzamento de coelhos brancos com coelhos petos, taxionomia botânica e zoológica, meiose e mitose,conversão de Celsius as guerras do Peleponeso, as guerras púnicas a civilização etrusca ,o gótico  e o romântico, analise sintática, escolas literárias,reações químicas  - tudo incluído  no “ examão”.
Aos alunos horrorizados eu digo: ”tranqüilizem-se. As provas não serão assinadas. Não são vocês,alunos, que estão sendo avaliados.È o sistema educacional.Maquina gigantesca,milhares de professores milhões de alunos,milhares de prédios, toneladas de material escolar ,milhares de hora/aula, milhares de informações ,milhares de avaliações,um tempo de vida que não pode ser computado,além do sofrimento de filhos e pais e quantia de dinheiro incalculável.”
O objetivo declarado dessa maquina é passar para  os alunos o conhecimento definido pelos currículos. A relação matemática entre 1) a soma de conhecimentos supostamente dados 2) o conhecimento que ficou incorporado no aluno define a qualidade da maquina.
O objetivo do examão é verificar essa relação.
Meu palpite é que na melhor das hipóteses; os alunos não terão incorporado mais  que 5% dos conhecimentos supostamente dados. Uma máquina com 5% de rendimento será reprovada.
 Os mecanismos da educação tratarão de consertar a máquina, convencidos de que ela necessita de ajustamentos e peças novas. Eu, ao contrario, acho,  que não há nada de errado para consertar.
Acontece que os alunos - mais precisamente os corpos dos alunos - tem também seus mecanismos de “ controle de qualidade”. Se  eles não aprendem é porque os seus corpos”reprovam” a máquina.Vomitam o que a máquina lhes enfia pela goela abaixo.O resultado do examão seria a prova disto.
Nietzsche, no seu ensaio sobre Tales, refere-se ás coisas”dignas de serem conhecidas” A inteligência funciona como  o aparelho digestivo: ela testa os sabores,e somente aqueles que são dignos de serem aprendidos são digeridos e incorporados.Os outros  vomitados. A recusa a aprendizagem é o vômito  daquilo que o sistema educacional quer impor ,mas que não faz  sentido para os alunos.
Os mecânicos da educação tendem pensar que o problema da educação é um problema de meios,meios sendo um conceito amplo que vai desde a didática e psicologia até computadores ,laboratórios,televisões e parafernálias educacionais semelhantes.
A  forma mais comum dessa filosofia mecânica aparece com a queixa da “falta de fundos “ .Digo que, quando a  maquina como um todo está errada, as tentativas de consertá-la ó levam a um agravamento do problema.Panelas importadas são inúteis para um mau cozinheiro.
O corpo humano é sábio.Tem idéias próprias.E ele seguindo seus critérios de “controle de qualidade” só aprende dois tipos de conteúdos.Primeiro aquele  que dá prazer:o fruto desejável.Segundo,o meio para chegar ao objeto de prazer: a vara para apanhar o fruto.
Na sua esmagadora maioria, os conteúdos curriculares processados pela máquina monstruosa nem são objeto de prazer nem são percebidos pelos alunos  como meios para chegar a coisa alguma, a não ser passar no vestibular.O fato é que os alunos não sabem a razão de ter de aprender o que estão sendo forçados a aprender.
A máquina funciona como deve. O problema é que a comida que ela serve é imprópria para a inteligência. A questão não é mudar as panelas. A questão é mudar o menu.
                                                                                   Rubem Alves, 63 educador,escritor psicanalista,doutor em filosofia pela universidade dePrinceton(EUA)e professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas

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